Crianças Interculturais
Nesta entrevista abordamos alguns aspectos sobre a aprendizagem e alfabetização dos filhos de imigrantes que, desde que nascem, são confrontados com mais de um idioma. Para esclarecer algumas dúvidas conversamos com Arlete Baumann, professora com formação em Letras/Tradução–Intérprete, presidente da Associação Brasileira de Educação e Cultura na Suíça e principalmente mãe.
AP: Os filhos de imigrantes são confrontados desde cedo com pelo menos “duas línguas maternas”. Primeiro então, qual seria do ponto de vista de aprendizagem a língua materna de uma criança filha de imigrante? Aquela que ela aprende em casa com os pais ou a que será desenvolvida na vida escolar?
AB: Partindo do princípio de que a língua materna é aquela na qual o indivíduo se sente seguro para expressar suas emoções, sentimentos e necessidades, pode-se dizer que, talvez, durante os primeiros anos de vida a língua materna da criança seja a primeira que aprendeu com os pais e que, a partir de certa idade ela passe a dominar tão bem a língua que o cerca, que se pode referir a duas (ou mais) línguas maternas. É possível que o domínio e a fluência se desenvolvam paralelamente nas duas línguas, ou não. AP: No caso das crianças aqui na Suíça-alemã, em que um dos pais usa o português, mas o outro fala o suíço-alemão e, na escola, ela é confrontada ainda com o alemão alto. Como se dá esse processo de aprendizagem que para o adulto já não é tão simples?
AB: Via de regra as crianças aprendem com mais facilidade do que os adultos, principalmente se têm um ambiente estimulante em casa. Ela repete o que ouve, sem se preocupar com erros de gramática ou sintaxe; a criança em geral é desinibida. Claro que se deve considerar também a aptidão de cada criança, como indivíduo. Há aqueles que são melhores em línguas do que em matemática e vice versa! AP: : A criança consegue fazer bem a distinção de situações e saber quando usar um idioma ou o outro?
AB: A criança vive a experiência de ser bilíngüe de forma muito natural. Ela sabe perfeitamente que língua falar e com quem! O que se deve evitar são situações embaraçosas em que a criança se envergonhe e fique inibida, como por exemplo, em visita à família no país de origem a insistência para que a criança fale alemão/português perante os tios, avós, só para mostrar que sabe: “olha, gente, ele fala alemão(ou português), que gracinha! Fala aí pro titio ver!” AP: Qual seria a idade ideal para uma criança começar a freqüentar aulas de português?
AB: Em minha opinião a idade ideal para começar a freqüentar aulas de português é entre quatro e cinco anos, isto é, na fase do jardim de infância (Kindergarten). Nesta fase da vida, a criança vai fi xar o vocabulário básico. Através de atividades lúdicas, de contos, canções, rituais e festas populares, a criança vai desenvolver o vocabulário das emoções, dos sentimentos, da fantasia (o futuro da literatura!). Esta fase inclui os dois anos de Jardim e o primeiro ano do estudo fundamental - o que equivaleria à Educação Infantil. AP: Finalmente, qual é o papel de pais e professores nesse processo de aprendizagem multicultural?
AB: Os pais e professores têm um papel fundamental para o bom andamento da aprendizagem. Principalmente para a aprendizagem do português, que é nossa língua materna, pois estamos “longe da fonte”. Não temos toda a influência do meio ambiente. Se quisermos dar este presente aos nossos fi lhos, devemos nos esforçar e atentar para que eles tenham prazer em aprender nossa língua. Aqui, alguns pontos que acho muito importantes: • Manter um ambiente estimulante em casa. Ter sempre livros, CDs, filmes em português ao alcance das crianças. • Matricular as crianças num curso de língua e cultura maternas (Kurse in heimatlicher Sprache und Kultur – HSK. O contato da HSK no cantão de Zurique é: www.vsa.zh.ch • Procurar o contato com os professores dos fi lhos, manter- se informado do que se passa na escola, interessar-se pelas atividades escolares e culturais • E finalmente: Estimular, sim. Obrigar, jamais!!
Entrevista realizada para a Revista Integra - Alice Peixoto- Zurique, Suíça ABEC - Associação Brasileira de Educação e Cultura